sábado, 26 de maio de 2018

Trekking no Peru (Parte 4) - O Caminho Salkantay e o Lago Humantay

1º Dia - Trekking Salkantay

Madrugando para o Trekking

05 de março 2016

Ainda estava escuro e frio lá fora, acordamos as 4 horas da manhã com o despertar do celular. Apesar do horário, não estávamos com sono, pelo contrário, estávamos muito animados. Já havia acertado o pagamento da estadia no dia anterior e a única coisa que fizemos na madrugada foi nos arrumar e sair.
Ficamos em frente ao hostel aguardando a van nos buscar. O frio era intenso, talvez por causa da altitude, estávamos completamente agasalhados da cabeça aos pés, mesmo assim dava para sentir o vento gélido esfriando nossos corpos. Por uma hora aguardamos, pensando o que poderia ter causado o atraso, chegando a achar que haviam nos deixado, mas tudo não passou de pensamentos, pois apesar do atraso eles apareceram.
A van nos levou pela noite de Cusco até a outro hotel, pegou mais algumas pessoas que logo se tornariam nossas colegas de trekking, continuou o trajeto até parar na praça San Francisco, um leve sereno começou a cair, outra van apareceu, novos companheiros entraram no carro, agora estávamos em dois veículos. Após várias horas, em fim as van saíram em direção ao ponto de partida para o trekking rumo a Machu Pichu.
Através da janela suada do carro vimos o alvorecer do dia pela contorcida rodovia entre as montanhas, ali já éramos surpreendidos pelas lindas paisagens daquelas montanhas do Peru, da natureza e das moradias agrícolas na beira da estrada. A estrada começou como qualquer outra, mas a medida que entravamos em meio as montanhas, as curvas se tornavam muito frequentes, passávamos por penhascos e a velocidade da van não passava dos 50km por hora, mas não nos surpreendemos e eu, ao contrario da Fernanda que dormia e acordava, estava maravilhado com cada vista que era descoberta depois de alguma curva fechada da estrada. Foi um caminho longo, duas longas horas de estrada até chegar ao pequeno vilarejo de Mollepata, com suas estreitas ruas e casas mal acabadas. Até então não tínhamos conhecimento de quem eram nossos guias e ainda não havíamos conhecido ninguém que nos acompanhara naquela van.
Em frente a uma praça mal cuidada foi o ponto de parada, do outro lado da rua um casarão antigo e um mercadinho ao lado, naquele casarão fomos convidados a entrar para tomarmos o café da manhã incluído no pacote. Mal conversamos com as pessoas que nos rodeavam, ainda nos sentindo estranhos naquele lugar pitoresco comemos algumas frutas e pães e voltamos para a frente do casarão, sentados em um banquinho ao lado do mercadinho aguardamos a hora de partir, cheguei a pensar que a caminhada partiria dali, mas estava enganado.
Uma hora depois da nossa chegada retornamos para dentro da van e partimos, rumo ao verdadeiro marco inicial de nossa jornada a pé. Foram mais 9km de estrada, 3km de asfalto até entrarmos em uma estreita rua de terra batida entre montanhas e penhascos e rodar mais 6km de adrenalina.
Em uma larga curva da estrada a van nos deixou, 17 aventureiros e 2 guias, prontos para realizar um dos trekkings mais inesquecíveis de nossas vidas. Tínhamos direito de deixar no máximo 5 quilos de nossas bagagens para que as mulas que seguiriam na frente levassem, a Fernanda até cogitou a hipótese, mas eu relutei dizendo que trilheiro sempre leva sua bagagem, nem imaginava o arrependimento que sentiria.
Pronto para o trekking

Guias oficialmente apresentados, explicações feitas e precauções avisadas, iniciamos a subida a um morro, em direção ao 1º acampamento, o refugio Salkantay, a 13km de distância.
A subida foi curta, mas íngreme, com toda minha bagagem nas costas, o trecho não pareceu tão longo. Subimos animados, ali iniciamos nos primeiro trekking longo e, apesar do folego desacostumado, segui firme com a Nanda. A paisagem era comum, a vegetação alta impedia nossa visão ampla, mas ao final, no topo do primeiro morro, tivemos a sensação de ter chegado a um paraíso, céu azul sobre campos verdes como um tapete, onde cavalos majestosos pastavam livremente. As vezes assistíamos filmes e não acreditávamos que certas paisagens eram reais, uma voz lá no fundo da nossa mente diz: Nessa cena, com certeza teve um tratamento de imagem, essa paisagem não é real, toda essa crença caiu por terra quando chegamos ao primeiro ponto de parada da trilha de Salkantay, é a terra mostrando toda sua real beleza.
1º Ponto de descanso no topo do morro

Cavalos livres

Por ali tomamos água, comemos algumas castanhas e frutas secas e descansamos por alguns minutos, ao poucos fomos conhecendo nossos guias, Marco e uma guia muito simpática a qual esqueci o nome, ele levava o grupo na frente e ela seguia atrás de nós. Do topo do morro podíamos ver a estrada de terra contorcida que passamos em meio as montanhas.
Estrada nas montanhas


Depois do primeiro descanso, seguimos viajem, a montanha não dava trégua e a subida continuava, o ar mais rarefeito me exigia mais folego e a mochila começava a ficar a cada passo mais pesada. Não deixávamos de nos deslumbrar com as lindas paisagens dos picos verdes das montanhas onde as únicas que conseguiam tocá-los com facilidades eram as nuvens. Nesses momentos, mascar a folha de coca que havia comprado em Cusco foi uma grande ajuda que compensava todo seu amargor.
Vista das montanhas


Trekking entre montanhas


Após algumas horas de caminhada, encontramos o segundo ponto de parada, um casebre na topo da montanha com a vista mais linda que já vi, onde até para ir ao banheiro era cobrado 1 sole.
2º ponto de parada
Mirante

Após mais uma pausa para descanso, de uns 30 minutos, os guias nos chamaram para dar continuidade a viagem. Seguindo a trilha após a segunda parada passamos por vales, andamos rente a topos de montanhas e vislumbramos paisagens lindas.
Subida da trilha

A subida era puxada e a mochila pesava a cada passo. Mesmo quando estávamos descendo a trilha, nossa rota sempre era subir e assim quanto mais nos aproximávamos do 1º refugio, mais ficávamos acima dos 3 mil metros.
Salkantay ao fundo

A principio a trilha não aparenta ter estrutura, mas a medida que fomos seguindo seu rumo, encontramos trechos calçados, canais de água e até pontes. Caminhando rumo a montanha de gelo era o que me dava forças para continuar carregando toda minha bagagem. A Nanda já pensava em deixar um pouco do peso com as mulas em uma próxima oportunidade.
Rumo a Salkantay

Trilha calçada e com ponte

A guia que acompanhava os retardatários, incluindo eu, ainda deu mais uma parada para podermos descansar no quintal de uma casinha abandonada no meio da montanha, onde encontramos novamente com o grupo. Sentei aliviado retirando a mochila das costas, retirei de dentro dela um pacote de castanhas e frutas secas e distribui para quem quisesse. Eu já estava exausto, nem tínhamos chegado na metade da trilha e meus ombros estavam doloridos por causa do peso, mas não podia reclamar, então respirei fundo e segui em frente quando no chamaram.
Quando já havíamos caminhado por volta de 12 quilômetros, via a Nanda a minha frente, uma estrada de cascalho, uma casa ao longe a minha direita e um imenso paredão rochoso. Ela caminhou alguns passos pela trilha fora da estrada e sentou em uma pedra, derrubando sua mochila das costas, exausta. Me aproximei alguns minutos depois e sentei com ela. Por ali ficamos, tomando folego para o último quilômetro.
Últimos kms de trilha

Descansando

Após meia hora ali, deslumbrados com a linda vista, recuperamos um pouco de nossas forças e decidimos continuar o caminho. Foi um quilômetro que mais parecia 10. Chegamos exaustos em um
refugio que parecia uma pequena chácara, em um campo gramado rodeado das maiores montanhas do Peru, um lugar surreal. Nos encaminharam para um galpão onde montaram barracas, escolhemos uma, deixamos nossas bagagens e, a primeira coisa que a Nanda disse foi: "Vou utilizar meu direito dos 5 quilos da mula daqui pra frente!", com certeza pensei o mesmo.
Entramos na barraca que escolhemos para arrumar nossas coisas, estávamos muito cansados, foi a trilha mais longa que havíamos feito em um dia. Bolhas apareceram nos pés da Nanda, seu tênis era muito novo e só fora utilizado uma vez antes desta viajem.
Por algum tempo fiquei com a Nanda dentro da barraca, o dia parecia não querer escurecer, nossos corpos já exaustos já nos pesava a alma, mas a aventura não tinha nem começado direito e não era no primeiro momento de estres que iriamos parar, era hora de sair de lá e encontrar todos na mesa para o lanche da tarde. O frio já estava mais intenso, nos agasalhamos bem e fomos até a cozinha. Serviram pão com geleia e margarina acompanhado de chá de coca. Duas meninas do nosso grupo não pareciam estar bem. Sentamos próximo ao Marcos, ele parecia bem cansado também, na verdade todos pareciam exaustos, com exceção da Zanda, uma moça de 1,80 metros da Nova Zelandia que praticamente puxava o grupo, ela parecia incansável.
Em meio ao pão e chá quente veio da boca do Marcos a pergunta:
- Querem ir para Laguna Humantay?
Olhei para ele com a expressão de exausto e dei um sorriso dizendo:
- Qual a distância?
- Uns 3 quilômetros. - Me disse rindo.
Não acreditei muito que iriamos andar mais, mas logo depois o Marcos falou para todos:
- Quem quer visitar a laguna Humantay?
A Zanda foi a primeira a dizer sim. Olhei para a Nanda espantado e ela apenas riu, exausta também. Cheguei a cogitar com ela de não irmos, mas não podíamos deixar de vivenciar tudo que aquela experiência nos proporcionava, então resolvemos ir. Na verdade quase todos foram, apenas duas meninas não puderam ir por causa do mal de altitude que havia pegado elas em cheio.
Seguimos rumo ao campo verdejante atrás do refugio, seguindo por uma leve subida em direção as montanhas geladas. As nuvens cobriam os picos das geleiras, o gramado do campo era tão verde que parecia uma pintura, todos estavam a frente, distantes de mim e da Nanda, caminhávamos juntos curtindo a linda paisagem.
Caminho para Laguna Humantay

Duas meninas nos acompanhavam no ritmo e cada metro a subida se tornava mais ingrime.

No inicio eu andava bem, apesar de ainda estar me recuperando da caminhada do dia, não estava difícil. Seguia tirando fotos da paisagem e da Nanda, com uma sensação imensa de liberdade. Caminhava observando os morros a frente, o sorriso da Nanda ao me olhar, sem palavras para proferir naquele momento. Mas o caminho não era tão fácil, e logo após o campo verde, a subida se tornou bem mais íngreme e a altitude começou a fazer efeito em mim. O ar me faltava e minhas forças foram desaparecendo. Não entendo até hoje como a Nanda não sentia aquele cansaço, ela caminhava a minha frente e tinha que parar para me esperar, eu caminhava lentamente, a passos de um idoso de 100 anos, meu corpo não respondia e eu tinha que parar para respirar.
Nanda me esperando

Atravessamos um pequeno riacho e uma trilha apareceu em meio as pedras e capim, fomos seguindo, Nanda me puxando e eu pedindo para esperar por diversas vezes, até que uma vaca a fez parar, seu medo a impediu de seguir em frente até eu me aproximar dela. Era uma vaca preta que parecia ter gostado de nós, pois depois de passarmos por ela a mesma nos seguiu por um longo caminho até desistir e voltar para o campo. Quanto mais andávamos, mais o capim dava espaço para as rochas, parecia que estávamos caminhando rumo a uma imensa cratera próxima as montanhas de gelo. A subida estava muito difícil, o ar parecia não encher meus pulmões e eu sentia que havia corrido uma maratona de 40 quilômetros, mas continuava em frente, seguindo a Nanda. Foi uma hora aproximadamente de caminhada, o tempo estava frio, mas eu suava. Em meio as rochas caminhávamos os últimos metros, não esperava encontrar nada de espetacular, na verdade nem imaginava que seria um lago, talvez isso tenha ajudado a me surpreender, pois quando chegamos no topo do morro de rochas cinzas e a vista já não era mais bloqueada, me emocionei ao descobrir o lugar maravilhoso em que estava, meus braços se arrepiaram e meu coração se serenou, me senti dentro de uma pintura, em um lugar de fantasia, que até então era impossível de imaginar que existia. Abracei a Nanda e vislumbrei por alguns minutos aquele paraíso, as águas serenas de uma lagoa azul refletiam a montanha Humantay, que chorava águas de degelo enchendo aquela lagoa, cores vibrantes de uma natureza desconhecida para mim explodiam em meus olhos, me senti pleno, em um paraíso com alguém que amo para compartilhar essa experiência.

Humantay

Laguna Humantay

Os companheiros do nosso grupo já se encontravam se divertindo na margem da lagoa, vi a Zanda vestida com uma roupa de natação e me espantei com sua disposição de ter entrado em uma água que provavelmente estava a menos de 0 graus de temperatura, mas achei o máximo, uma pessoa que aproveita tudo o que o momento tem para oferecer.
O lugar é tão fantástico que nem notamos a hora passar, eram muitas fotos, muitos sentimentos, muitas alegrias. Nos sentimos tão unidos naquele lugar, como um grande família, uma família temporária, mas muito unida. Éramos abençoados por ter a oportunidade de estarmos lá e isso só me gerava agradecimentos. Em frente a imensa montanha Humanty, irmã menor de Salkantay, não parecia nada pequena, a montanha que tinha o privilégio de ter aos seus pés a lagoa verde mais linda que tinha visto. Nada parecia real, passeava pela margem olhando a Nanda com seu sorriso lindo, tudo aquilo me arrepiava, cada movimento dela era uma foto que tirava, queria eternizar tudo aquilo, queria que fosse para sempre.
Apreciando o paraíso de Humantay

No final todo nosso grupo se juntou para uma foto e foi lindo, tão curto e tão intenso, mas o dia não era eterno como nossas memórias, e estava dando adeus, precisávamos voltar para o acampamento.
Grupo do trekking na laguna Humantay

A volta sempre é mais fácil quando é descendo, tanto que foi bem mais rápida. Chegamos para a janta e para uma noite gelada. Duas meninas que passaram mal e não puderam ir a laguna estavam la para jantar conosco, um viajante solitário que apareceu no refugio se juntou ao nosso grupo e o guia Marcos ofereceu para ele um prato da nossa comida. Conversamos muito e a noite escureceu a paisagem lá fora, era hora de dormir.
Primeira noite em uma barraca em outro pais, estava frio, entramos e juntamos os colchonetes para podermos dormir bem juntinhos, já havíamos deixado os sacos de dormir preparados e a Nanda colocou a roupa segunda pele assim como eu e deitamos abraçados e exaustos.
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