quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trekking no Peru (Parte 6) - Dia de temporal e deslisamentos

3º Dia de Trekking

Enfrentando Imprevistos

07 de março de 2016

Acordamos com o barulho de uma leve chuva e dos companheiros que já estavam levantando. A noite fora tranquila para nós, apesar de chover constantemente quase nem percebemos. Depois do frio que a Nanda passou na primeira noite, agora sempre juntávamos os colchonetes e dormíamos abraçadinhos.
Neste dia o clima era de calmaria, mal sabíamos o que havia acontecido durante nosso sono. Uma neblina cobria as montanhas que nos cercavam e trazia um fina chuva que caia irregular.

Pavimento superior

Vista das montanhas escondidas pela neblina

Como de costume seguimos a rotina de nos limpar, se vestir, arrumar a bagagem e descer para o café da manhã. Enquanto fazíamos o desjejum no térreo, o pessoal contratado pela agência já ia desarmando as barracas e arrumando as bagagens, ter uma agência para dar conta destes detalhes fazia muita diferença, a gente só precisava se preocupar com nossa mochila e a caminhada, o resto era por conta deles.
Após o café da manhã, enquanto alguns ainda se preparavam para o terceiro dia de caminhada, eu e a Nanda ficamos por um tempo conversando com nossos guias sentados em um banquinho na frente da cabana, apreciávamos a vista e descobríamos mais coisas sobre eles. Marcos nos contava sobre o tempo que morou no Brasil, em São Paulo especificamente, e como gostavado nosso país, foi quando descobrimos por que ele nos entendia tão bem. Foi um momento muito tranquilo, ainda chuviscava um pouco e não estava frio, por trinta minutos ficamos sentados conversando e curtindo o momento, galinhas ciscavam pela grama verde molhada e uma névoa cobria todas as montanhas ao fundo.
Quando todos se aglomeraram na saída da cabana era a hora de iniciar a caminhada, Marcos puxou o grupo, seguido como sempre pela Zanza e seus 3 amigos. Iniciamos por uma estrada de terra batida que descia beirando a montanha, mas logo em seguida pegamos uma trilha íngreme que cortava caminho descendo por um barranco. Tudo ainda estava bem molhado por conta do temporal que caíra na noite passada, descendo a trilha podíamos ver ao longe a estrada de terra no seu zigue-zague pela encosta da montanha e logo a baixo o rio marrom que seguia seu curso.
Estrada descendo a montanha



Todos estavam juntos em um ritmo só, mas depois que voltamos a nos encontrar com a estrada começamos a nos distanciar, formando pequenos grupos. O tempo estava ótimo, sem sol, fresco e húmido, com paisagens fantásticas de imensas montanhas verdes a nossa volta cobertas de neblina. Neste dia a Nanda continuou com os bastões do Marcos, pois sem eles acredito que as bolhas de seus pés iriam nos atrasar muito. A caminhada estava tranquila, na maior parte do tempo seguindo a estrada, andávamos e apreciávamos todo o espetáculo das nuvens passeando pela floresta e escondendo as montanhas. Cachoeiras eram vistas entre as frestas das rochas, derramavam suas aguas que se encontravam com o rio lá em baixo. Conforme as horas passavam, as nuvens iam se dispersando e o dia ia ficando mais claro, entramos em uma plantação de maracujá e descansamos um pouco na casa do proprietário, nos ofereceram um pouco da fruta de seu plantio, um sabor adocicado e delicioso. Sentamos em uma varanda simples e ficamos por alguns minutos descansando.
Caminhada
A partir daquele ponto a caminhada ficou um pouco mais pesada, não pelo trecho e sim pelo tempo, que havia esquentado, mas continuava sem sol, a estrada começou a ficar mais batida, víamos casas ao longe, no meio da caminhada encontramos um vaca no trajeto, olhei ao longe e avistei um vilarejo na encosta de um barranco que parecia ter cedido, deixando algumas casas bem próximas a erosão, uma imagem preocupante.
Vila no barranco

Já era quase meio dia quando chegamos ao refugio onde eu acreditei que ficaríamos, uma construção parecida com a cabana onde ficamos na noite passada só que bem maior, uma casa de alvenaria com um imenso galpão de madeira e sem paredes inacabado em cima, onde subimos tiramos nossas mochilas e descansamos, havia algumas mesas no centro e varias tábuas nos cantos. Ali almoçamos e passamos umas duas horas, o tempo continuava nublado e começou a esfriar, quando Marcos nos chamou para descer. Lá na entrada havia uma van nos aguardando:
- Daqui pra frente nos vamos seguir nessa van, pois o tempo não esta bom para caminhar. Vocês precisam pegar as coisas que deixaram para as mulas carregarem, pois daqui pra frente elas não vão mais. - disse ele.
Pegamos nossas coisas, montamos nossa mochila novamente com tudo que tinhamos e ela voltou a pesar em minhas costas.
Colocamos nossas mochilas em um bagageiro em cima da combi e entramos, seguimos pelas estradas íngremes da encosta da montanha, o céu fechou de vez e a chuva começou a ficar constante, o silêncio predominava no grupo até o momento em que a combi parou, Marcos abriu a porta e disse:
- Vamos ter que caminhar, houve um deslizamento e a estrada foi levada.
Descemos no meio do temporal, colocamos as capas de chuva nas mochilas, e com elas nas costas seguimos nosso guia por uma trilha fechada no meio da floresta. No caminho a Nanda me chama:
- Olha!
Voltei meu olhar por entre a mata fechada e pude ver o que o deslizamento causou, não havia mais estrada na encosta. Foi assustador. Ao sair da trilha e pegar a estrada novamente pudemos ver o tamanho do estrago que a chuva havia causado. Caminhamos por um pequeno período e tivemos que esperar outro transporte, mal sabíamos o que nos aguardava ainda. A chuva cessou, em seguida um pequeno caminhão com uma carreta de madeira chegou, era com ele que terminaríamos o trecho do dia. Baixaram a tampa da caçamba e todos subiram. Eu e a Nanda nos olhávamos espantados.
- Meu Deus. A gente dizia.
Marcos pulou para cima da caçamba do caminhão e nós seguimos viagem.
Seguindo viagem

Apesar da situação, tudo parecia estar indo bem. Marcos sentado na caçamba tirava varias fotos do grupo se espremendo e o caminhão seguia viagem pela estreita e irregular estrada de terra, até que em um momento um galho baixo de árvore apareceu cruzando a estrada, apesar da caçamba do caminhão ser bem alta, o galho passaria bem rente e não chegaria a tocar, mas o Marcos estava em cima da caçamba e não teve tempo de perceber o galho que o acertou em cheio, ele teve uma sorte grande de não ter caído do caminhão, mas um azar tremendo de ali naquele galho viver um enxame de marimbondos que no momento em que o galho o acertou, todos os marimbondos começaram a nos atacar. Foi um desespero generalizado, pois não tínhamos como correr e quase todos foram picados, menos eu, que estava em um canto da caçamba e fui protegido pelos outros, a Nanda também teve sorte de levar apenas uma ferroada, mas o Marcos levou muitas ferroadas e ficou bem mal.
Não levou muito tempo para que o caminhão chegasse ao final do trajeto, em menos de uma hora de chacoalhadas, em meio a sacos de grãos e pessoas, paramos no final da estrada, não que a estrada só existia até o ponto em que paramos, mas não havia mais como seguir em frente, pois era preciso cruzar o rio e, devido a tempestade, seu leito subiu tanto que levou embora a ponte que usaríamos para seguir viajem.
Rio Urumbá

Eu posso fechar meus olhos e conseguir ver tudo que aconteceu naquele dia. Foi um mix de sentimentos, emoções, angustias, tensões e alegrias. Uma aventura para se lembrar para o resto de nossas vidas. Já se passaram anos, mas para mim tudo parece ter acontecido ontem, ou na semana passada.
A chuva havia passado, mas tudo continuava molhado, nuvens ainda encobriam o céu. Ficamos em uma fila, misturados com os moradores locais de uma pequena vila chamada Santa Teresa onde todos queriam chegar, o problema era que a vila ficava do outro lado de um rio e a ponte que dava acesso a ela havia sido levada pela forte correnteza deste mesmo rio que transbordou com a intensa chuva da noite anterior. Naquele momento as águas ainda se encontravam revoltas, levando pedaços da floresta com ela, mas seu nível já havia baixado, deixando a mostra todo o seu estrago.
A fila que nos encontrávamos não era longa, aos poucos fomos nos aproximando do leito onde outrora havia uma ponte construída, só que agora o que estava em seu lugar era uma espécie de tirolesa feita com um forte cabo de aço sustentado por duas estacas grossas de madeira fincadas profundamente no solo a 5 metros das extremidades do rio cor de chocolate. Penduradas ao cabo de aço, duas pessoas eram transportadas por vez através de uma gaiola de ferro com uma roldana que deslizava de um lado para o outro das margens do rio, ora puxada vazia por uma corda para nosso lado, ora puxada por outra corda para o lado da vila, transportando as pessoas.
Havia uma família um pouco a nossa frente, junto a ela um pequeno cachorrinho acompanhava a lenta caminhada ao lado de uma garota que acredito eu que era sua dona, ele a seguia com muita atenção, a cada passo que ela dava aquele cachorrinho se mantinha ao seu lado abanando seu rabo. A gente olhava para ele e ria discretamente de toda aquela atenção e energia, parecia que aquele bichinho não queria se perder de sua família, até que chegou a vez da garotinha atravessar o rio junto com uma senhora que aparentemente era sua mãe, as duas se organizaram dentro da estreita gaiola e não se preocuparam em levar seu último integrante, que logo se desesperou ao ver sua família se afastando para o outro lado da margem. O pequeno correu para um lado, correu para outro, sem saber como alcançá-los, daquele local ele não podia fazer nada, então desceu o barranco e se aproximou da correnteza forte que descia entre pedras e galhos e, em sua última tentativa de chegar ao outro lado, se jogou dentro do rio para tentar atravessá-lo a nado. Foi a última vez que vimos o pequeno cachorrinho, meu peito doeu, lágrimas marejavam os olhos da Nanda. Junto com nossa tristeza, um sentimento de raiva dividia nosso peito ao olhar a indiferença da família que abandonou o seu último integrante. A garotinha até se assustou quando viu seu cachorrinho pulando na água, mas logo virou as costas e foi embora, não havia mais nada o que fazer.
Quando nossa vez chegou fiquei apreensivo. Olhava para aquela enxurrada cinza descendo com toda força, galhos de árvores se amontoando entre rochas e uma frágil gaiola de ferro pendurada em um cabo de aço para nos levar. Não pensei muito, Nanda foi na minha frente, entrou na armação de ferro se agachando a frente, eu apenas a segui, ainda chuviscava. Nos acomodamos como podia e logo em seguida começamos e ser puxados para o outro lado do rio, acima do rio pude ver o estrago com mais precisão, como se estivesse sentado nas primeiras cadeiras de um show, um rápido show de apenas alguns segundos.

Atravessando o rio Urumbá

Foi tenso e emocionante ao mesmo tempo, chegamos do outro lado aliviados. Assim que desembarcamos da nossa gaiola logo seguimos a estrada para ficarmos mais distante daquele rio. Havia uma vendinha na beira da estrada com varanda e um banco comprido de cimento na parede, foi ali que sentamos para aguardar de longe os outros integrantes chegarem. De repente um filhotinho de cachorro apareceu lambendo os pés da Nanda, seus olhos novamente marejaram, mas desta vez de felicidade. Ela pegou o pequeno cachorrinho e o acolheu entre seu braços, recebendo muito carinho, quase que levamos ele conosco.
Surpreendente encontro


Após todos atravessarem, Marcos nos levou a um prédio semiacabado no alto do morro, era uma obra de 2 andares onde, apesar de ainda em construção, já abrigava moradores. Assim que chegamos nos disponibilizaram um quarto temporário para deixarmos as bagagens e descansar, era um cômodo bem simples, como a maioria dos lugares no Peru, não me lembro de entrar em nenhum lugar, com exceção das majestosas igrejas católicas, que fosse extremamente requintado e primoroso, todos os locais que visitamos, desde restaurantes a cafés e hotéis, tudo era simples com toque de charmoso, era o que nos cativava. O quarto, bem, esse era bem mais simples, paredes no reboco, piso semiacabado, três camas com colchões irregulares e cobertores surrados. Nada daquilo nos importou, só precisávamos tirar nossas mochilas das costas e nossos tênis dos pés, mas antes que tirássemos os calçados fomos chamados para nos reunir no pátio na frente do prédio. Nosso guia informou a todos de uma atividade que podíamos fazer ainda naquele dia, ir mergulhar na águas termo medicinais de Cocalmayo em Santa Teresa e ainda descer em uma imensa tirolesa de 5 quilômetros, mas tudo isso não fazia parte do pacote, sendo necessário desembolsar mais uma graninha, então passamos, pois não fazia parte do nosso orçamento.

Após a reunião, fomos chamados a subir no primeiro andar do prédio para arrumar nossas coisas nas barracas montadas onde dormiríamos definitivamente a noite. Escolhemos uma barraca no meio das outras, guardamos nossas mochilas e descemos. Depois que quase todo o grupo saiu para o passeio, resolvemos terminar o que estávamos fazendo, tirar os tênis dos pés e relaxar por um longo tempo nas camas disponíveis. Apesar de estar cansado, não consegui cochilar como a Nanda, o que deixou aquela tarde mais longa para mim.

Ao final do dia todos já estavam de volta, sentados como de costume em volta de uma grande mesa comprida, jantando. Podia ver na expressão de Marcos como ele estava exausto, provável que por conta das inúmeras ferroadas que levara mais cedo dos marimbondos, suas orelhas ainda estava inchadas e as marcas em seu rosto bem aparentes. Eu e Nanda nos aproximamos mais da Natali, e tentando estabelecer uma comunicação meio espanhol, meio inglês, conseguimos desenvolver um curto diálogo sobre eleições nos nossos países.
Ao final do jantar, alguns do nosso grupo foram comprar cervejas, mais pessoas da vila apareceram por lá, uma festa noturna se iniciou, com música, bebidas e conversas. Foi uma noite bem agradável, apesar de não tomarmos nenhuma bebida alcóolica, nos divertimos muito, sempre juntos. Assim foi o fim de mais um dia de aventura rumo a Machu Pichu.

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