quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Vários caminhos e varios destinos

Olá a todos!
Essa é a primeira postagem no novo blog Essência Livre. Criamos este nome com o intuito de fazer com que vocês sintam já na primeira leitura o que sentimos quando estamos fora da nossa rotina, nos encontrando onde realmente sentimos que nossa Essência esta em liberdade.
Somos um grupo que busca a paz em meio a natureza, onde sabemos que por mais difícil que seja o caminho, quando voltamos para casa, sempre voltamos totalmente renovados, por mais cansados que parecemos estar, o espirito esta recarregado de boas energias.
O desejo aqui é que a cada postagem, possamos mostrar como o planeta terra é exuberante. Que nossos posts possam ajuda-los com dicas caso queiram conhecer os mesmos lugares.
Um grande abraço a todos e aproveitem!

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Trekking no Peru (Parte 5) - Encontro com Salkantay

2º Dia - Trekking Salkantay

Seguindo para Salkantay

06 de março de 2016

A madrugada foi dura com a Nanda, a temperatura abaixo do 4 graus Celsius a obrigou a vestir mais uma blusa, meias e se agarrar mais forte a mim. Foi dura, mas o cansaço era mais forte e ela, depois de se agasalhar melhor, voltou a dormir.
Os raios de sol da manhã começaram a clarear o interior de nossa barraca, não havíamos dormido bem, mas fora o suficiente para mais um dia de caminhada. Meus olhos ainda cansados aos poucos se abriram, o calor dos nossos corpos juntos não me permitia sentir a real temperatura daquela manhã. Acariciei vagarosamente os cabelos da Nanda e ela foi acordando, escutávamos as pessoas do lado de fora se levantando e se arrumando, estava na hora.
- Bom dia. - Disse a Nanda que me respondeu com um sorriso e um bom dia.
Ao sairmos dos sacos de dormir sentimos o frio daquela manhã, usamos lenços umedecidos para um rápido banho de gato.
Amanhecer naquele lugar foi lindo, o céu cinza cheio de nuvens não apagava as cores vibrantes do campo e das montanhas ao nosso redor. O cansaço sumiu assim que saímos da barraca, a maioria do grupo já havia acordado e estava se preparando para ir tomar café da manhã, esse dia seria um dos dias mais longos de nossa aventura, o dia em que chegaríamos o mais próximo da montanha Salkantay.
Mais tarde, após nos arrumarmos, sentamos todos para o café da manhã, sempre parecido, pão peruano, chá de coca, leite, café, geleias e margarina, ou manteiga, as vezes tinha algo diferente como uma fruta, mas sempre era uma mesa farta.
Após nos alimentarmos, arrumamos as coisas que as mulas iriam levar, cinco quilos de cada, um alivio para nossas costas, e entregamos para o Marcos. A viajem agora parecia que seria mais leve, pura ilusão.
Nosso grupo iniciou a trilha subindo em direção a montanha Salkantay. A frente quem puxava era o guia Marcos, logo atrás Zanda acompanhava o ritmo com seus dois colegas, depois vinham quase todo o resto do grupo, finalizando com a segunda guia. Eu, a principio, acompanhava bem a caminhada, olhando as   montanhas cinzas ao nosso redor que afunilavam a trilha e a erguia em direção a Salkantay, a montanha de gelo que nos olhava imponente a frente. A medida que caminhávamos eu começava a ter mais dificuldade, me sentia mais cansado e ia ficando para trás.
Caminho para Salkantay

Com passos lentos e falta de ar fui ficando para trás, longe de todo o grupo, acompanhado apenas pela guia em uma lenta caminhada.
Grupo a caminho de Salkantay

Depois de um tempo caminhando só, observando a Nanda de longe perseguindo o grupo, notei ela parando, se voltou a mim e decidiu me esperar, tirou fotos e caminhou ao meu lado acompanhando as mulas carregadas que vinham atrás. Foi uma longa subida, parecia que não teria fim, até chegarmos a um extenso vale decorado ao fundo com a montanha Salkantay, as águas de degelo escorriam do morro a nossa frente formando um riacho que se espalhava pela grama verde. A imponente Salkantay nos presenteava com uma paisagem espetacular. O grupo se reuniu em um abrigo feito de madeira com telhado de palha, lugar bem rústico, onde podíamos descansar um pouco e comer nossos lanches.
Vale a frente com Salkantay ao fundo

Depois de retirar a mochila das costas e curtir o alívio do momento de pausa sentado em um banco de madeira, recuperar meu folego perdido pelo caminho e comer algumas castanhas com a Nanda, resolvemos andar pelo campo e encontrar os melhores locais para tirarmos fotos daquele lugar espetacular. Havia uma enorme rocha quadrada, que parecia estar ali propositalmente, praticamente no centro do vale, posicionada especialmente para aqueles que quisessem tirar uma foto em cima dela com Salkantay ao fundo. Na hora já imaginei a Nanda, minha modelo particular, em um momento eternizado por uma foto ali. Mas não foi só uma foto que tiramos, foram várias, fotos dela, fotos nossas, fotos minhas e fotos apenas da paisagem do caminho para Salkantay. Ficamos lá por uns 30 minutos, até os nossos guias retomarem a caminhada.
Pose para foto

Dali em diante a subida seria mais íngreme e exigiria mais dos meus pulmões, não fazia ideia do quanto. Naquele dia o céu não se abriu, as nuvens deixavam o dia cinza e frio, muito bom para caminhar, uma dificuldade a menos, mas ainda assim o trekking seria cansativo.
Caminhávamos um pouco mais devagar que o grupo, sempre éramos os últimos a chegar em um ponto de parada, acompanhava com os olhos, de longe, o colorido das roupas deles, mas nunca tão distante. Havia pontos da trilha onde a subida era mais íngreme, onde chegávamos em um cume e descíamos um pouco novamente, como uma gigantesca escada entre montanhas. O caminho em meio a rochas e vegetação rasteira era como se andássemos no meio de uma fresta provocada por um desmoronamento milhares de anos atrás. Em alguns pontos viajantes haviam empilhado pedras em cima de uma rocha grande qualquer e o local se transformou em uma obra de arte do homem com a natureza.
Caminho de Salkantay

Uma obra de arte no caminho de Salkantay

A trilha após o vale ficou bem mais pesada, tivemos que subir pela montanha, em uma trilha em ziguezague, a altitude aumentava cada vez mais, eram aproximadamente 4400 metros no final do ziguezague, estava tão puxado para mim que nem sentia mais frio, precisei retirar a jaqueta e a blusa e caminhar por um trecho apenas com a camiseta. Fiquei feliz ao perceber que algumas pessoas do grupo também sentiram a altitude, e aos poucos fomos ultrapassando elas. Uma das meninas que alcançamos levava um par de bastões de alumínio, ela parecia mais experiente que nós. Aos poucos íamos caminhando juntos até chegar a mais um cume da trilha.
Após alguns quilômetros de trilha chegamos a uma segunda planície, toda gramada, úmida, onde o grupo parou mais uma vez para descansar. O frio bateu e recoloquei todas minhas roupas. A Nanda sempre olhava pra mim e sorria, não sabia se era de alegria de estar lá, ou se era de deboche. Sentamos em umas pedras próximo ao grupo para descansar e ela estava sentindo as bolhas nos pés, isso me preocupava, pois ainda tinha muito caminho pela frente. Estávamos a 4500 metros de altitude, bem próximos ao segundo ápice daquela trilha, ficar frente a frente com Salkantay.
Vista de Salkantay

Descansamos por uns 15 minutos e seguimos novamente, agora só iríamos parar no destino. Era a última subida, foi a mais difícil. Foram mais 200 metros de ganho de altitude, 200 metros que me fizeram parecer um idoso, não conseguia dar passos largos, a força havia desaparecido. Na minha frente a Nanda andava um pouco  e me esperava, subíamos em meio as rochas, seguindo uma trilha estreita, ao longe eu podia ver as mulas com as costas carregadas de bagagens e subindo tranquilamente, olhava para a Nanda acima me esperando, sempre com um sorriso, e a única coisa que eu falava era:"calma, estou no meu máximo". Não havia condições de dar um passo maior que meu próprio pé, o único consolo era que eu sempre alcançava alguém que havia parado, não me lembro quantas folhas de coca mastiguei para melhorar a oxigenação. Pouco a pouco fui me aproximando do mirante, as rochas pelo caminho foram diminuindo e a vista foi sendo revelada. Quando cheguei com a Nanda a maioria das pessoas do grupo já se encontravam lá, reunidos em um canto, ao fundo do mirante, olhei a minha direita e lá estava Salkantay. Uma rocha imensa e quadrada repousava em frente a montanha, convidando o visitante a subir em cima dela e posar para fotos.
A sensação da chegada é quase que inexplicável, uma mistura de cansaço, alívio e deslumbramento. De frente para a montanha, sentindo o vento gélido em meu rosto, presenciei sua imponência. Naquele dia Salkantay se esgueirava entre as nuvens, escondendo seu pico, atiçando a imaginação dos que a admiravam. Seu pico nevado carrega histórias daqueles que nunca conseguiram conquistá-lo, as lendas pra mim até pareciam verdadeiras, lendas essas que nasceram das crenças incas, onde através da montanha Salkantay o condor, levando as almas dos que morreram, atravessava um portal que ligava a terra com o céu.
Nanda no pé da montanha Salkantay

Por algum tempo ficamos observando aquela paisagem surreal, um outro mundo para nós. Ali era realmente o ápice da nossa caminhada, por toda a volta víamos pilhas de pedras se equilibrando, tiramos várias fotos e participamos de uma pequena cerimônia celebrada pelo nosso guia Marcos, uma cerimonia de agradecimento a mãe terra, ou como os antigos Incas chamavam, Pachamama.
Naquele dia Salkantay se manteve parcialmente escondido entre as nuvens, mas isso não retirou a magia de estarmos lá, foi lindo e transformador, algo para transformar nossos espíritos e ficar para sempre em nossas memórias.

Após a cerimônia começamos a nos preparar para continuar a caminhada, seria uma longa descida até nosso próximo destino. Arrumamos as mochilas, recolocamos os casacos e seguimos a trilha para o outro lado da montanha, encontramos pequenos lagos, muitas pedras imensas e um caminho de cascalho cheio de neblina. Como era descida, a caminhada era mais rápida, mas eu sempre ficava atrás e aproveitava para tirar fotos. Passávamos por paisagens que eu só havia visto pela televisão, vegetação rasteira, pedras e neblina, descíamos por uma trilha que hora era fácil, hora se tornava mais difícil, mas sempre era uma descida entre montanhas.


Lagos de degelo


Pelo caminho encontramos vários riachos de águas cristalinas, campos verdes onde os locais construíam muros de pedras para cercar o gado, me sentia em outro planeta, tinha a sensação de estar em um cenário de filmes de ficção que assisti um dia, chegamos em uma parte da trilha onde um campo verde dominava o chão e a névoa cinza dominava o céu, o ar estava mais abundante e a caminhada mais leve, ao longe, deitada na linha do horizonte, uma vaca negra decorava como um detalhe aquela paisagem surreal, por um momento o tempo havia parado para nós.

Paisagem surreal


A caminhada




A medida que descíamos, a névoa se dissipava e a temperatura subia, a visão do horizonte já era mais clara e podíamos ver a trilha seguindo ao longe. A caminhada ainda era longa, e a ladeira cada vez ficava mais íngreme, chegamos ao ponto de ter que parar por algumas vezes para a Nanda arrumar os curativos dos pés, já estava difícil caminhar sem sentir as bolhas, só conseguimos seguir mais rápido depois que o guia Marcos, percebendo a dificuldade da Nanda, cedeu para ela seus bastonetes, aquilo foi de uma ajuda tão grande que decidimos que compraríamos um par assim que voltássemos ao Brasil.
A peregrinação até nosso refúgio foi de 14 quilômetros de descidas, até chegarmos em uma pequena moradia rural com uma rústica cabana de pedras rodeada por uma cerca de madeira que demarcava algum tipo de plantação próxima a encosta de um morro, era ali que passaríamos a noite, uma cabana de dois pavimentos, onde o térreo era feito de pedras e cimento e a parte de cima, mais simples, uma área com piso, colunas sustentando um telhado de zinco e cercada por apenas um corrimão, tudo de madeira, sem paredes, foi ali que montaram as nossas barracas. Na parte de baixo havia banheiro com chuveiro a gás, onde cobravam 10 soles para tomar banho, cozinha, alguns cômodos e uma varanda coberta com telhado de palha com uma mesa comprida onde serviam as refeições.
Entramos na cabana e logo subimos para deixar nossas coisas na barraca, ficamos com a última barraca da fileira, no canto, próximo ao corrimão, como fomos um dos últimos a chegar não tivemos escolhas, então entramos e logo a Nanda foi checar as feridas dos pés. Ela retirou os tênis, puxou as meias e logo viu uma imensa bolha no centro de cada pé e outras pequenas nos calcanhares.
Como vou andar assim? - Perguntou ela.
Não tinha muito o que fazer, as bolhas maiores estavam tão cheias de água que ela mau conseguia pisar, então tive a ideia de fazer um minúsculo furo com uma agulha para retirar a água e não arrancar a pele.
Vamos fazer um furinho ai. - Eu disse.
Nanda me olhou desconfiada e um pouco apreensiva.
Será? E não tem perigo de inflamar?
Perigo tem, mas vou limpar direitinho e fazer um furinho bem pequeno na pele da bolha. Depois a gente desinfeta mais.
Ai eu coloco algodão para proteger. - Completou ela.
E assim foi, esterilizei ao máximo o pé dela e a agulha e cuidadosamente apertei a ponta da agulha contra a bolha até ela ceder e derramar toda a água pelo pé da Nanda. Sequei toda aquela água e fizemos um curativo colocando muito algodão em cima daquela bolha murcha, depois a Nanda vestiu uma meia para segurar o curativo e proteger de qualquer sujeira. Fizemos o mesmo procedimento no outro pé e ela se sentiu mais aliviada.
Por um momento, novamente, deitamos nos colchonetes da barraca para descansarmos, aquele dia foi uma caminhada de 19 quilômetros, com subidas e descidas muito longas, apesar de o caminho até a montanha de Salkantay ter sido só subida, parece que a descida, depois da montanha, foi ainda pior. A sensação era de que nunca chegaríamos, mas agora, aquele momento era maravilhoso, havíamos conseguido.
Mais tarde os guias nos chamaram para jantar, como na noite passada, o grupo se reuniu em volta de uma grande mesa onde serviram o jantar. Naquele momento em que jantávamos percebi que éramos os que menos interagiam, pois a maioria, ou falara inglês, ou falava espanhol e como nós só sabíamos falar no máximo um “portunhol” era difícil de se comunicar. Descobrimos naquela noite que nosso guia Marcos já havia morado por algum tempo no Brasil e era por essa razão que ele se comunicava bem com a gente.
A noite caiu, eu e Nanda de barriga cheia, subimos para a barraca, onde pudemos descansar nossos corpos para o próximo dia de caminhada.
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