sábado, 11 de julho de 2020

Trekking no Peru (Parte 8) - A Chegada em Machu Picchu

5º Dia de Trekking

Subir, subir e continuar subindo...

09 de Março de 2016

No dia anterior fui dormir com uma pulga atrás da orelha, fiquei pensando que, como acordaríamos as 4 da manhã para iniciar o último trajeto até a cidade arqueológica de Machu Picchu, então iríamos caminhar no escuro, mas nós não tínhamos lanternas. Como será que faríamos?
O dia chegou, as 4 horas da manhã já estávamos no saguão do hostel preparados para caminhar. Pudemos deixar nossas bagagens no quarto, pois o horário limite para o check-out era até as 12hs. Nossas jaquetas tinham secado então resolvemos leva-las, Nanda preferiu usar a mesma calça de todos os dias e eu coloquei uma jeans, como estava muito cedo, ainda estava frio e a Nanda decidiu vestir, além da jaqueta, uma camiseta térmica de manga longa, além de tudo isso não poderia esquecer de levar minha bolsa com a máquina fotográfica.
Saímos do hostel sob a escuridão da noite onde apenas as luzes amarelas da cidade iluminavam nosso caminho, andamos pela rústica e deserta civilização a caminho da fronteira de Machu Picchu, fomos alertados para deixar o passaporte em um local de fácil acesso, pois ele seria solicitado na travessia da ponte.
Assim que descemos por uma pequena escadaria e começamos a caminhar na estrada de terra batida, deixando a cidade para trás, nos demos conta de o quanto era importante ter um lanterna, pois estávamos entre montanhas imensas cobertas por florestas, a escuridão era assustadora, só se via o brilho das lanternas dos que nos acompanhavam, tentei usar a lanterna do celular para nos ajudar a não tropeçar em alguma pedra, mas sua luz não era suficiente, nesse momento ficamos tensos ao pensar em como subiríamos a montanha na escuridão. Vendo nossa dificuldade de acompanhar o grupo, nossa nova amiga Natalia se aproximou com sua lanterna em mãos e iluminou o caminho, nos dando um alívio.
Caminhamos juntos por uma pelo mesmo caminho que chegamos no dia anterior, deixando a cidade para trás, aos poucos outras pessoas começaram a aparecer e se aglomerar ao grupo, começamos a contornar uma montanha quando vimos postes de luz e a ponte de travessia, vimos também uma fila que já se formava em frente a uma guarita, era ali que esperaríamos.
O portão abria as cinco da manhã e ainda eram 4:30, a fila já estava um pouco grande e todos estavam muito animados.
- Será que é aqui que carimbam nosso passaporte? - Comentei com a Nanda.
Ficamos sabendo que, aos que entram em Machu Picchu, é disponibilizado um carimbo no passaporte registrando que estiveram lá, nós queríamos muito ter esse souvenir no nosso.
Começamos a ver os primeiros da fila atravessando a ponte, eram 5 horas da manhã. Os que solicitavam acesso apresentavam o passaporte e eram liberados e assim a fila ia andando. Não parecia que estavam carimbando passaportes ali naquela guarita. Do outro lado da ponte uma montanha imensa se apresentava gradualmente conforme o dia nascia, sabíamos que a caminhada seria dura e que precisaríamos de folego, por isso nem cogitamos seguir Zanda e seus amigos novamente, desta vez o grupo era apenas nós dois e Natalia enquanto a escuridão dominasse.
Confirmamos, ao atravessar a ponte, que não era naquela passagem que nossos passaportes ganhariam o registro que tanto esperávamos e começamos a subida seguindo inicialmente a mesma estrada que vans e mini ônibus seguem levando os menos aventureiros e preparados a Machu Picchu, mas foi por pouco tempo, pois logo na primeira curva entramos por uma trilha em meio a floresta fechada que vestia a montanha. A trilha já começava bem íngreme e já não víamos Zanda por perto, do jeito que ela era devia ter subido como um foguete na nossa frente, seguimos com Natalia nos guiando com sua luz, foram 100 metros até encontrarmos a estrada novamente, cruzaríamos a estrada mais algumas vezes a medida que íamos subindo, pois enquanto a trilha para subir a pé era quase em linha reta, a estrada era mais longa e em ziguezague até o topo.
O dia começou a clarear e nos revelar particularidades daquele caminho, não era exatamente em linha reta e em alguns pontos era preciso utilizar as mão para subir mais, a mata fechada na maior parte do trecho impedia que víssemos o céu. Assim que nossa visão começou a identificar por onde andar sem a ajuda da lanterna, Natalia foi ficando para trás e nós fomos avançando com mais velocidade, o coração pulsava freneticamente, mas tínhamos folego e não diminuímos o ritmo. Em alguns pontos havia uma pequena clareira, com locais para descansar, passamos por alguns até encontrar nossa colega Zanda sentada com a respiração ofegante, já não tinha folego para continuar subindo e ficou para trás, nem acreditei que ali, naquela montanha, teríamos mais resistência que ela.
Não tirei uma foto sequer da subida a Machu Picchu, o foco era chegar logo, então não paramos em nenhum momento, mesmo assim levamos uma hora em todo o percurso até encontrarmos com o restaurante que fica na segunda entrada do sítio arqueológico. Ali a trilha acabava no encontro com a estrada, já estava claro e cheio de turistas que vieram trazidos pelos mini ônibus.
O nosso grupo se reencontrou na praça de entrada, onde filas se formavam para conseguir pegar ingressos, mas nós não precisávamos enfrenta-la, pois fazia parte do pacote recebermos nossos ingressos dos guias da agencia. Só precisamos aguardar o Marcos resolver todos os tramites e entregar nosso tickets, entrada liberada, pegamos uma fila rápida e logo todos estavam seguindo Marcos, seria o último tour guiado por ele.
Entrada de Machu Picchu

Machu Picchu, enfim chegamos. Foram 5 dias de caminhada intensa para estarmos aqui, andando pelas escadarias de uma antiga cidade Inca que, sabe lá Deus como, foi construída no topo desta montanha. Se para nós turistas, chegar aqui, andando por trilhas já demarcadas, caminhos já abertos, trechos acessíveis, foi um sacrifício, como será que os Incas decidiram subir em uma montanha específica, no meio da floresta fechada e construir uma cidade inteira? Como que, em um local tão alto e distante do rio, sem ferramentas atuais, esse povo planou o solo, talhou milimetricamente pedras imensas para que se encaixasse umas nas outras, as empilhou para levantar moradias e templos? Será que essas pedras foram retiradas da montanha? Será que eles tinham a capacidade de subir com elas? Impossível para minha cabeça, eu mal consegui subir carregando meu próprio peso. Que insano tentar imaginar algo inimaginável.
Seguimos Marcos pelas currutelas de Machu Picchu, existia uma ordem de onde podíamos andar e que caminho seguir, não podíamos ir e voltar por um mesmo trecho. Aquele era nosso ultimo tour com o guia, confesso que, apesar de que em cada ponto que passávamos Marcos contava alguma coisa, me recordo de praticamente nada do que ele disse, não sei se era por causa do meu péssimo espanhol, por causa do meu deslumbramento do local, ou por falta de interesse mesmo. Todo local que meus olhos direcionavam era uma descoberta magnifica.
Ruínas de Machu Picchu

Não tenho a intenção de contar o que foi Machu Picchu, nem de explicar a história do local, como que tirando de algum lugar o texto e postando aqui. Vou contar minha experiência de estar lá e as coisas que ouvi do nosso guia.

Haviam muros onde as pedras não eram encaixadas com perfeição, mas eram tão bem alinhados, que dava para perceber que era intencional eles serem construídos daquela forma, eram as paredes mais baixas da cidade, as que ficavam próximas aos campos de plantação, mas a medida que subíamos já era notável que as paredes tinham um tratamento diferente, lisas e encaixadas milimetricamente como tijolos, exatamente onde eram os templos e moradias dos nobres.
Caminhando pelos trechos de plantação de Machu Picchu

Começamos por baixo, conhecendo primeiro os campos de plantação, eram campos curtos de 5 a 6 metros, uma técnica de construir campos em degraus, seguindo a montanha, planava uma pequena área e no final construía uma parede de perdas de dois metros abaixo e depois construía outro campo. Depois de conhecer como os Incas plantavam, fomos subindo para explorar  suas moradias. Os cômodos não eram grandes, mas o acabamento era bem feito, onde usaram pedras mais bem trabalhadas do que nos muros do campos.
Entrada das moradas Incas

Níveis de construção

As moradas ficavam abaixo dos templos, as ruínas pareciam labirintos, entrávamos em uma porta e seguíamos para sairmos em outro local desconhecido, um campo, ou um mirante, sem volta. Marcos no guiou por dentro das casas, por caminhos que era como trincheiras, subimos escadas, descemos, atravessamos pequenos cômodos, para enfim chegar aos templos.
Vista do templos

Parede de um dos templos Inca

Lá ele nos apresentou o relógio Inca do sol, uma pedra esculpida de tal forma que era possível identificar com precisão as quatro estações do ano, ele nos contou muito sobre essa pedra mística e a relação dos Incas com o celestial, mas já não me recordo de muita coisa. Tudo que ficou como lembrança gravada em mim foram os sentimentos, aquele templo me trazia inexplicáveis sentimentos que, com certeza, provava que era um local místico sagrado.
Intihuatana - Relógio do Sol

Se alguém que já esteve em Machu Picchu e estiver lendo este relato, conseguir transcrever em palavras o que é esse sentimento que temos ao estarmos lá, algo que essas imagens não mostram, por favor, poste aqui.
Vista do segundo lado de Machu Picchu

Campos de Machu Picchu

Foram tantos lugares apresentados pelo nosso guia, que apenas recomendo que vão, tenham essa experiência, com certeza é a melhor forma de entenderem o que escrevo aqui.
Seguimos pelos campos para a segunda parte da cidade e seu segundo templo, o principal. Uma área bem maior, onde parecia que os Incas se reuniam em cerimonias. Ali havia uma construção diferente, com três paredes bem trabalhadas e com uma imensa pedra retangular entre elas, era o Templo Sagrado Principal. Foi nesse templo que Marcos se despediu de nós agradecendo por mais aquela aventura que experimentou.
Templo Sagrado

Ele nos mostrou as ultimas curiosidades do local, como a rocha que tinha a forma quase que exata da montanha de Machu Picchu.
Rocha parecida com uma maquete de Machu Picchu

Ali nos despedimos de todos do grupo. Ficamos contemplando as paisagens enquanto cada um tomava seu rumo, se dispersando e se misturando a multidão de estranhos turistas, já não reconhecíamos mais nenhum rosto a nossa volta, era somente eu a Nanda e Machu Picchu, como se estivéssemos chegado lá sozinhos.
Vista das montanhas ao redor de Machu Picchu

Ainda tínhamos um ticket para subir uma das montanhas da cidade, pois de cada lado do sítio arqueológico há uma grande montanha. Em uma ponta a montanha de Huayana Pichu se porta majestosa, onde para se chegar em seu topo dizem que se deve passar por um trecho muito perigoso. Na outra ponta a montanha de Machu Picchu, a mais alta, de onde todos tiram aquela foto bonita pegando todo o sitio arqueológico, era essa o nosso destino.
Machu Picchu

Huayana Picchu

Como estávamos mais próximos de Huayana Pichu, tivemos que voltar atravessando toda a cidade novamente, podendo assim apreciar com mais calma cada construção, como as entradas das casas mais altas, com seus nichos nas paredes.
Construções Incas

Passeamos pelas ruas entre muros de pedras, onde a Nanda por diversas vezes era flagrada apreciando a vista, divagando sobre todo o mistério daquele lugar.
Ruas de Machu Picchu

Encontramos llamas pastando nos campos verdes onde os Incas costumavam plantar. Elas passeavam tranquilas como donas do pedaço.
Llamas

O dia estava ensolarado, nada cansativo. A Nanda estava com a calça da trilha, que virava bermuda e era bem fresca, só que eu, como tinha decidido ir de calça jeans, estava com muito calor, mesmo sem utilizar minhas jaquetas.
Caminhando por Machu Picchu

Subimos de volta para a primeira parte da cidadela, seguindo o caminho para chegar a montanha Machu Picchu. Uma llama branca apreciava a vista dos antigos campos de plantação, onde era cultivada a alimentação para todo aquele antigo povo.
A montanha de Machu Picchu não é a mais famosa, mas é a mais alta e é de lá que os fotógrafos tiram a famosa foto da cidade perdida.
Ao voltarmos para o topo da escadaria onde eram cultivados os grãos de Machu Picchu , seguimos um trecho até encontrarmos a entrada da montanha. Uma pessoa recebeu nossos tickets e nos liberou para seguir uma escada larga de pedras que esgueirava a montanha. Seguimos, inocentes de que éramos mais que preparados para chegar ao topo sem muita dificuldade. O inicio da escadaria era bem sombreada e seus degraus eram bem largos, nunca podíamos enxergar o final, pois a subida não era linear e fazia várias curvas.
Início da subida a Montanha Machu Picchu

Não consegui contabilizar quantos degraus tivemos que subir para chegar ao topo, mas sei que foi a subida mais cansativa de toda a caminhada. A cada curva que chegávamos pensando que era o final nos decepcionávamos com mais subida. Sentamos várias vezes para descansar, onde observávamos a paisagem longínqua dos rios e do verde.
 Vista de Machu Picchu

Quanto mais subíamos, mais ampla ficava a vista da cidade perdida. Levamos uma hora para alcançar o cume da montanha e ao chegarmos as nuvens podiam nos tocar, um vento gelado soprava e a sensação da presença divina era mais intensa. O ar mais húmido aliviava um pouco o calor, não haviam muitas pessoas, mas a quantidade lá era mais que suficiente, alguns descansavam em baixo de uma pequena oca de palha, outros sentavam em pedras na beira da montanha em frente a vista mais conhecida na revistas de viagens.
Tomo de Machu Picchu
O Topo e a Vista

Lá no alto, pessoas tiravam fotos, admiravam a vista, liam livros e relaxavam. Era possível ficar lá por horas, uma paz dominava por ali, me sentia em um lugar sagrado. Ficamos lá por muito tempo, mas não me lembro quanto tempo foi, só posso dizer que desci daquela montanha renovado, mas sem esquecer o sofrimento que foi subir.
Paisagem

Ir embora foi muito mais rápido do que chegar e mais triste, pois nossa aventura estava no fim. Em muitos momentos o silêncio da partida nos dominava e do mesmo jeito que fomos, nós voltamos, a pé para Aguas Calientes.
Homenagem ao descobridor de Machu Picchu

No fim do passeio voltamos para Aguas Calientes, almoçamos em um restaurante com vista para o rio Urubamba, com suas águas revoltas e barrentas. Passamos o resto do dia curtindo a cidade até a hora de pegarmos o trem para irmos até Ollantaytambo e de lá seguirmos de micro ônibus até Cusco.
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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Trekking no Peru (Parte 7) - Rumo a Aguas Calientes

4º Dia de Trekking

Entre Sol e Chuva

08 de Março de 2016

O dia amanheceu com o céu praticamente limpo. Levantamos por volta das 7 horas da manhã, nosso destino estava mais próximo. Aquela noite fora a última dentro de uma barraca. Seguimos a mesma rotina das manhãs anteriores e naquele dia já descemos com nossa mochila pronta. Após o lanche da manhã saímos para a frente do prédio e sentamos nos banquinhos de madeira onde havia ocorrido a festa da noite passada. Quando todos estavam reunidos, nosso guia Marcos nos trouxe as opções do dia:
- Agora, daqui, vocês tem duas opções para chegar até a usina. Uma van poderá leva-los, por um valor adicional, ou vocês podem ir a pé. São mais 10 quilômetros de caminhada por estrada de terra.
Todos se olharam e aos poucos cada subgrupo foi tomando a sua decisão. A Zanda e seus 3 amigos na hora decidiram que iriam a pé, juntamente com eu e a Nanda, pois nosso objetivo era chegar em Machu Picchu caminhando, mas o resto do grupo escolheu a van. Assim o Marcos, que não estava muito bem desde do ataque de marimbondos, resolveu que acompanharia o grupo na van enquanto a nossa guia, que até hoje sinto vergonha de não lembrar seu nome, iria acompanhar o pequeno grupo a pé.
Último camping

Era por volta das 9 horas da manhã, o sol naquele dia vibrava com sua luz, poucas nuvens passeavam pelo céu azul. Vimos praticamente todo o grupo entrar na van rumo a hidroelétrica Machu Picchu, enquanto nós, seis trilheiros e uma guia, estávamos prestes a caminhar 10 quilômetros até nos encontrar novamente. Ainda bem que o Marcos ainda havia deixado seus bastões com a Nanda.
Com nossas mochilas prontas em nas costas iniciamos a penúltima jornada, a princípio todos juntos, descendo o morro em direção a outra ponte da cidade, a única que resistiu ao temporal passado. Assim que atravessamos aquela ponte, Zanda perguntou para a guia se seu grupo poderia seguir em um ritmo mais forte, a guia não viu problema e deixou. Eu e a Nanda até tentamos acompanhar por um tempo, mas o sol já começava a castigar e nós não aguentamos as passadas frenéticas, então aos poucos eles foram se distanciando e nos deixando cada vez mais para trás. Nós nos separamos do grupo da Zanda, que foi na frente, e da nossa guia, que foi ficando para trás. Aquela caminhada era só nossa, seguindo uma estrada de terra branca batida, beirando o rio  Urubamba. A luz do sol fazia brilhar a grama verde das montanhas e a sombra das nuvens a apagava, naquele dia não precisamos de blusas e jaquetas, o calor a cada minuto que passava ficava mais forte.

Caminhada Rumo a Hidroelétrica

Foi uma caminhada de aproximadamente 10 quilômetros debaixo de um sol que não deu uma trégua sequer, todo o caminho era pela estrada de terra, não havia trilha, não havia sombras. Aos poucos nossa guia ia sumindo no horizonte atrás de nós e já não avistávamos o grupo da Zanda, então por um tempo seguimos a estrada sem ter certeza de que estávamos no caminho certo.

Vídeo com um trecho do trekking

Na metade da caminhada encontramos a saída de água da hidrelétrica que fica dentro de uma das montanhas, uma abertura na rocha sólida por onde um filete de água descia. Não encontrei muitas informações sobre esta hidrelétrica.
Saída de água da hidrelétrica

O trecho ficou confuso quando chegamos na segunda ponte do trajeto, estávamos sós e existia uma bifurcação no caminho, uma estrada para a esquerda e outra menor para a direita. Paramos e tivemos que esperar nossa guia aparecer e, debaixo daquele sol brilhante, eu quase entrei em uma cachoeira que encontramos bem próxima a ponte. A guia demorou a aparecer e nos deixou preocupados, será que ela tinha desistido e nós estávamos por nossa conta? Será que ela se machucou? Por que demorava tanto?
Todos nossos medos desapareceram quando a vimos no horizonte da estrada caminhando vagarosamente. Estávamos quase chegando na hidrelétrica, a guia nos indicou seguir pela estrada a esquerda e então encontramos mais a frente os portões de entrada onde caminhamos seguindo os trilhos de trem até um restaurante bem simples que se escondia em meio a mata fechada.
Inicio dos trilho de trem

Ali no restaurante encontramos Zanda e seus amigos novamente, sentados em uma das longas mesas que se espalhavam pelo pátio forradas com toalhas típicas peruanas, encontramos também gatos descansando em cima delas, com cores e manchas bem peculiares. Vimos dois filhotinhos de uma cadela procurando carinho de todos que se aproximava, como ainda eramos os primeiros a chegar é claro que eles vieram a nós.
Gatos

Filhotes

Enfim tínhamos terminado a primeira parte da caminhada. Aquele dia a Nanda tirou uma foto minha com os filhotinhos no colo e quando vi percebi o quanto tinha emagrecido devido as caminhadas exaustivas.
Filhotinhos
Passamos tempo suficiente ali para recarregar as baterias e nos preparar para os últimos quilômetros de caminhada. Estávamos quase de saída quando fui perguntar quanto custava um garrafa de água no restaurante, pura perda de tempo. O que nos impressionou, inclusive em todo o trajeto, foi o valor cobrado por uma garrafa de água, sempre era de 10 soles para mais, ainda bem que fomos repondo o nosso cantil nos campings, mas nunca tivemos a coragem de comprar uma garrafa sequer pelo caminho.
- Vamos? - Perguntou Marcos a todos do grupo.
Colocamos as mochilas nas costas e seguimos nosso guia por uma trilha que saia por trás do restaurante. A formação sempre era a mesma, o grupo da Zanda seguia com o Marcos puxando um ritmos mais forte e os outros iam seguindo em grupos menores. Foi a partir daquele ponto que a Nanda decidiu que não ficaríamos atrás da Zanda, que nosso ritmo seria o mesmo que o deles, foi uma caminhada que mais parecia uma corrida para mim.
Cruzamos uma pequena área de mata mais fechada e encontramos os trilhos de trem por onde seguiríamos até chegar em Aguas Calientes.
Trekking pelos trilhos de trem

Esse último trajeto foi um dos mais bonitos de se caminhar, pois a mata era mais densa e as paisagens peculiares e maravilhosas. De tempos em tempos encontrávamos com algum trem que levava seus passageiros, menos dispostos a andar, a cidade de Aguas Calientes, a última parada para todos que desejavam conhecer Machu Picchu.
Trem para Aguas Calientes

No início até ficamos distante do primeiro grupo. Acabamos por usar o tempo que tínhamos para contemplar as paisagens e tirar fotos. Passamos debaixo de viaduto de trem, atravessamos o rio Urubamba por uma ponte de ferro. O tempo estava nublado e já não podíamos ver o sol, isso tornava a caminhada menos cansativa.
Trecho no trilhos do trem

Ponte que atravessa o rio Urubamba
Rio Urubamba

Quando estávamos na metade do trajeto, nosso guia resolveu parar em um tenda improvisada na beira dos trilhos, onde eram vendidos lanches e bebidas, para podermos descansar um pouco. Eu, como carregava uma mochila enorme, não perdi tempo e já a retirei das costas para aliviar o peso.
Aos poucos o grupo foi se formando novamente, até estar completo com a nossa guia de batedora. Naquele momento em que todos estavam relaxando começou a chuviscar, foi a deixa para continuarmos a caminhada, mas antes, envolvemos as mochilas com a capa de chuva e colocamos nossas jaquetas.
- Dessa vez não vamos ficar pra trás! - Comentou a Nanda comigo, se referindo a Zanda e seus amigos. Ali deu início a uma competição particular.
O grupo começou a se deslocar, Zanda e seus amigos seguiram com o ritmo forte junto a Marcos e nós acompanhamos. A chuva começou a engrossar, mas a Nanda não diminuiu sua passada, seguiu firme, nem parecia que tinha bolhas nos pés. Fomos em um ritmo tão intenso que as vezes tinha a sensação de estar levemente correndo. Nos últimos quilômetros a chuva já estava bem forte e meus pés queimavam, minha mochila ficou mais pesada por conta da água e meus passos mais lentos, ainda bem que ao longe já dava para ver a estação de trem, um local bem rustico de desembarque de passageiros, com uma plataforma de cimento e mais nada, quando chegamos foi necessário esperar os outros para seguir em frente, pois o caminho não seria mais pelos trilhos.
Descemos por uma trilha atrás da estação e encontramos uma estrada de terra por onde seguimos, ainda debaixo de chuva, por mais 2 quilômetros até chegar em Águas Calientes, ensopados, sujos e suados, minha jaqueta por dentro estava mais molhada de suor do que por fora molhada de água, estávamos exaustos quando chegamos no hotel.
O primeiro local que não dormiriamos em barraca, tínhamos escolhido ficar em um quarto a sós, mas se não nos atentassemos teríamos ficado em um quarto compartilhado com mais pessoas. O local era um prédio que estava com andares inacabados, o nome era Hospedaje Eco Mapi, que se encontrava próximo a Plaza Manco Capac que abriga a estátua Machu Pichu Pueblo. Tinha uma entradinha escondida entre restaurantes onde ficava o pequeno saguão de recepção, lá recebemos as chaves dos nossos aposentos e então pudemos subir as escada ao lado do balcão.
Nosso quarto era no terceiro andar do prédio, subimos por uma estreita escada onde não passavam mais que duas pessoas por vez, no piso que ficamos tinha uma varanda interna onde era possível ver o andar de baixo, que tinha um banheiro sem teto, coisa mais estranha. Nosso quarto até que era muito bom, espaçoso e com banheiro. Depois que chegamos foi preciso estender nossas roupas no chão para que secassem um pouco, as jaquetas estavam com um cheiro forte de suor, assim como todas as roupas que estávamos usando naquele dia.
Tomamos o melhor banho da nossa vida, depois de 4 dias se limpando com lenços umedecidos, uma ducha forte de água quente que lavava e levava toda a sujeira acumulada em nossos corpos, nos trouxe uma sensação de alivio completo.
Relato do 4º dia
Para finalizar esse dia fomos a um restaurante muito legal que fazia parte do pacote que adquirimos, pena que não me lembro mais o nome do estabelecimento, mas lembro que, guiados pelo Marcos, saímos do hostel e caminhamos pelas currutelas de Águas Calientes, atravessamos o rio que corta a cidade por uma ponte de nome Sinchi Roca até chegarmos na rua Imperio de Los Incas, onde os pedestres dividiam espaço com os trilhos de trem que atravessavam o povoado. A noite estava linda e a cidade também, toda iluminada, mostrando seu estilo rustico e requintado ao mesmo tempo. Foi um ótimo final de dia.
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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trekking no Peru (Parte 6) - Dia de temporal e deslisamentos

3º Dia de Trekking

Enfrentando Imprevistos

07 de março de 2016

Acordamos com o barulho de uma leve chuva e dos companheiros que já estavam levantando. A noite fora tranquila para nós, apesar de chover constantemente quase nem percebemos. Depois do frio que a Nanda passou na primeira noite, agora sempre juntávamos os colchonetes e dormíamos abraçadinhos.
Neste dia o clima era de calmaria, mal sabíamos o que havia acontecido durante nosso sono. Uma neblina cobria as montanhas que nos cercavam e trazia um fina chuva que caia irregular.

Pavimento superior

Vista das montanhas escondidas pela neblina

Como de costume seguimos a rotina de nos limpar, se vestir, arrumar a bagagem e descer para o café da manhã. Enquanto fazíamos o desjejum no térreo, o pessoal contratado pela agência já ia desarmando as barracas e arrumando as bagagens, ter uma agência para dar conta destes detalhes fazia muita diferença, a gente só precisava se preocupar com nossa mochila e a caminhada, o resto era por conta deles.
Após o café da manhã, enquanto alguns ainda se preparavam para o terceiro dia de caminhada, eu e a Nanda ficamos por um tempo conversando com nossos guias sentados em um banquinho na frente da cabana, apreciávamos a vista e descobríamos mais coisas sobre eles. Marcos nos contava sobre o tempo que morou no Brasil, em São Paulo especificamente, e como gostavado nosso país, foi quando descobrimos por que ele nos entendia tão bem. Foi um momento muito tranquilo, ainda chuviscava um pouco e não estava frio, por trinta minutos ficamos sentados conversando e curtindo o momento, galinhas ciscavam pela grama verde molhada e uma névoa cobria todas as montanhas ao fundo.
Quando todos se aglomeraram na saída da cabana era a hora de iniciar a caminhada, Marcos puxou o grupo, seguido como sempre pela Zanza e seus 3 amigos. Iniciamos por uma estrada de terra batida que descia beirando a montanha, mas logo em seguida pegamos uma trilha íngreme que cortava caminho descendo por um barranco. Tudo ainda estava bem molhado por conta do temporal que caíra na noite passada, descendo a trilha podíamos ver ao longe a estrada de terra no seu zigue-zague pela encosta da montanha e logo a baixo o rio marrom que seguia seu curso.
Estrada descendo a montanha



Todos estavam juntos em um ritmo só, mas depois que voltamos a nos encontrar com a estrada começamos a nos distanciar, formando pequenos grupos. O tempo estava ótimo, sem sol, fresco e húmido, com paisagens fantásticas de imensas montanhas verdes a nossa volta cobertas de neblina. Neste dia a Nanda continuou com os bastões do Marcos, pois sem eles acredito que as bolhas de seus pés iriam nos atrasar muito. A caminhada estava tranquila, na maior parte do tempo seguindo a estrada, andávamos e apreciávamos todo o espetáculo das nuvens passeando pela floresta e escondendo as montanhas. Cachoeiras eram vistas entre as frestas das rochas, derramavam suas aguas que se encontravam com o rio lá em baixo. Conforme as horas passavam, as nuvens iam se dispersando e o dia ia ficando mais claro, entramos em uma plantação de maracujá e descansamos um pouco na casa do proprietário, nos ofereceram um pouco da fruta de seu plantio, um sabor adocicado e delicioso. Sentamos em uma varanda simples e ficamos por alguns minutos descansando.
Caminhada
A partir daquele ponto a caminhada ficou um pouco mais pesada, não pelo trecho e sim pelo tempo, que havia esquentado, mas continuava sem sol, a estrada começou a ficar mais batida, víamos casas ao longe, no meio da caminhada encontramos um vaca no trajeto, olhei ao longe e avistei um vilarejo na encosta de um barranco que parecia ter cedido, deixando algumas casas bem próximas a erosão, uma imagem preocupante.
Vila no barranco

Já era quase meio dia quando chegamos ao refugio onde eu acreditei que ficaríamos, uma construção parecida com a cabana onde ficamos na noite passada só que bem maior, uma casa de alvenaria com um imenso galpão de madeira e sem paredes inacabado em cima, onde subimos tiramos nossas mochilas e descansamos, havia algumas mesas no centro e varias tábuas nos cantos. Ali almoçamos e passamos umas duas horas, o tempo continuava nublado e começou a esfriar, quando Marcos nos chamou para descer. Lá na entrada havia uma van nos aguardando:
- Daqui pra frente nos vamos seguir nessa van, pois o tempo não esta bom para caminhar. Vocês precisam pegar as coisas que deixaram para as mulas carregarem, pois daqui pra frente elas não vão mais. - disse ele.
Pegamos nossas coisas, montamos nossa mochila novamente com tudo que tinhamos e ela voltou a pesar em minhas costas.
Colocamos nossas mochilas em um bagageiro em cima da combi e entramos, seguimos pelas estradas íngremes da encosta da montanha, o céu fechou de vez e a chuva começou a ficar constante, o silêncio predominava no grupo até o momento em que a combi parou, Marcos abriu a porta e disse:
- Vamos ter que caminhar, houve um deslizamento e a estrada foi levada.
Descemos no meio do temporal, colocamos as capas de chuva nas mochilas, e com elas nas costas seguimos nosso guia por uma trilha fechada no meio da floresta. No caminho a Nanda me chama:
- Olha!
Voltei meu olhar por entre a mata fechada e pude ver o que o deslizamento causou, não havia mais estrada na encosta. Foi assustador. Ao sair da trilha e pegar a estrada novamente pudemos ver o tamanho do estrago que a chuva havia causado. Caminhamos por um pequeno período e tivemos que esperar outro transporte, mal sabíamos o que nos aguardava ainda. A chuva cessou, em seguida um pequeno caminhão com uma carreta de madeira chegou, era com ele que terminaríamos o trecho do dia. Baixaram a tampa da caçamba e todos subiram. Eu e a Nanda nos olhávamos espantados.
- Meu Deus. A gente dizia.
Marcos pulou para cima da caçamba do caminhão e nós seguimos viagem.
Seguindo viagem

Apesar da situação, tudo parecia estar indo bem. Marcos sentado na caçamba tirava varias fotos do grupo se espremendo e o caminhão seguia viagem pela estreita e irregular estrada de terra, até que em um momento um galho baixo de árvore apareceu cruzando a estrada, apesar da caçamba do caminhão ser bem alta, o galho passaria bem rente e não chegaria a tocar, mas o Marcos estava em cima da caçamba e não teve tempo de perceber o galho que o acertou em cheio, ele teve uma sorte grande de não ter caído do caminhão, mas um azar tremendo de ali naquele galho viver um enxame de marimbondos que no momento em que o galho o acertou, todos os marimbondos começaram a nos atacar. Foi um desespero generalizado, pois não tínhamos como correr e quase todos foram picados, menos eu, que estava em um canto da caçamba e fui protegido pelos outros, a Nanda também teve sorte de levar apenas uma ferroada, mas o Marcos levou muitas ferroadas e ficou bem mal.
Não levou muito tempo para que o caminhão chegasse ao final do trajeto, em menos de uma hora de chacoalhadas, em meio a sacos de grãos e pessoas, paramos no final da estrada, não que a estrada só existia até o ponto em que paramos, mas não havia mais como seguir em frente, pois era preciso cruzar o rio e, devido a tempestade, seu leito subiu tanto que levou embora a ponte que usaríamos para seguir viajem.
Rio Urumbá

Eu posso fechar meus olhos e conseguir ver tudo que aconteceu naquele dia. Foi um mix de sentimentos, emoções, angustias, tensões e alegrias. Uma aventura para se lembrar para o resto de nossas vidas. Já se passaram anos, mas para mim tudo parece ter acontecido ontem, ou na semana passada.
A chuva havia passado, mas tudo continuava molhado, nuvens ainda encobriam o céu. Ficamos em uma fila, misturados com os moradores locais de uma pequena vila chamada Santa Teresa onde todos queriam chegar, o problema era que a vila ficava do outro lado de um rio e a ponte que dava acesso a ela havia sido levada pela forte correnteza deste mesmo rio que transbordou com a intensa chuva da noite anterior. Naquele momento as águas ainda se encontravam revoltas, levando pedaços da floresta com ela, mas seu nível já havia baixado, deixando a mostra todo o seu estrago.
A fila que nos encontrávamos não era longa, aos poucos fomos nos aproximando do leito onde outrora havia uma ponte construída, só que agora o que estava em seu lugar era uma espécie de tirolesa feita com um forte cabo de aço sustentado por duas estacas grossas de madeira fincadas profundamente no solo a 5 metros das extremidades do rio cor de chocolate. Penduradas ao cabo de aço, duas pessoas eram transportadas por vez através de uma gaiola de ferro com uma roldana que deslizava de um lado para o outro das margens do rio, ora puxada vazia por uma corda para nosso lado, ora puxada por outra corda para o lado da vila, transportando as pessoas.
Havia uma família um pouco a nossa frente, junto a ela um pequeno cachorrinho acompanhava a lenta caminhada ao lado de uma garota que acredito eu que era sua dona, ele a seguia com muita atenção, a cada passo que ela dava aquele cachorrinho se mantinha ao seu lado abanando seu rabo. A gente olhava para ele e ria discretamente de toda aquela atenção e energia, parecia que aquele bichinho não queria se perder de sua família, até que chegou a vez da garotinha atravessar o rio junto com uma senhora que aparentemente era sua mãe, as duas se organizaram dentro da estreita gaiola e não se preocuparam em levar seu último integrante, que logo se desesperou ao ver sua família se afastando para o outro lado da margem. O pequeno correu para um lado, correu para outro, sem saber como alcançá-los, daquele local ele não podia fazer nada, então desceu o barranco e se aproximou da correnteza forte que descia entre pedras e galhos e, em sua última tentativa de chegar ao outro lado, se jogou dentro do rio para tentar atravessá-lo a nado. Foi a última vez que vimos o pequeno cachorrinho, meu peito doeu, lágrimas marejavam os olhos da Nanda. Junto com nossa tristeza, um sentimento de raiva dividia nosso peito ao olhar a indiferença da família que abandonou o seu último integrante. A garotinha até se assustou quando viu seu cachorrinho pulando na água, mas logo virou as costas e foi embora, não havia mais nada o que fazer.
Quando nossa vez chegou fiquei apreensivo. Olhava para aquela enxurrada cinza descendo com toda força, galhos de árvores se amontoando entre rochas e uma frágil gaiola de ferro pendurada em um cabo de aço para nos levar. Não pensei muito, Nanda foi na minha frente, entrou na armação de ferro se agachando a frente, eu apenas a segui, ainda chuviscava. Nos acomodamos como podia e logo em seguida começamos e ser puxados para o outro lado do rio, acima do rio pude ver o estrago com mais precisão, como se estivesse sentado nas primeiras cadeiras de um show, um rápido show de apenas alguns segundos.

Atravessando o rio Urumbá

Foi tenso e emocionante ao mesmo tempo, chegamos do outro lado aliviados. Assim que desembarcamos da nossa gaiola logo seguimos a estrada para ficarmos mais distante daquele rio. Havia uma vendinha na beira da estrada com varanda e um banco comprido de cimento na parede, foi ali que sentamos para aguardar de longe os outros integrantes chegarem. De repente um filhotinho de cachorro apareceu lambendo os pés da Nanda, seus olhos novamente marejaram, mas desta vez de felicidade. Ela pegou o pequeno cachorrinho e o acolheu entre seu braços, recebendo muito carinho, quase que levamos ele conosco.
Surpreendente encontro


Após todos atravessarem, Marcos nos levou a um prédio semiacabado no alto do morro, era uma obra de 2 andares onde, apesar de ainda em construção, já abrigava moradores. Assim que chegamos nos disponibilizaram um quarto temporário para deixarmos as bagagens e descansar, era um cômodo bem simples, como a maioria dos lugares no Peru, não me lembro de entrar em nenhum lugar, com exceção das majestosas igrejas católicas, que fosse extremamente requintado e primoroso, todos os locais que visitamos, desde restaurantes a cafés e hotéis, tudo era simples com toque de charmoso, era o que nos cativava. O quarto, bem, esse era bem mais simples, paredes no reboco, piso semiacabado, três camas com colchões irregulares e cobertores surrados. Nada daquilo nos importou, só precisávamos tirar nossas mochilas das costas e nossos tênis dos pés, mas antes que tirássemos os calçados fomos chamados para nos reunir no pátio na frente do prédio. Nosso guia informou a todos de uma atividade que podíamos fazer ainda naquele dia, ir mergulhar na águas termo medicinais de Cocalmayo em Santa Teresa e ainda descer em uma imensa tirolesa de 5 quilômetros, mas tudo isso não fazia parte do pacote, sendo necessário desembolsar mais uma graninha, então passamos, pois não fazia parte do nosso orçamento.

Após a reunião, fomos chamados a subir no primeiro andar do prédio para arrumar nossas coisas nas barracas montadas onde dormiríamos definitivamente a noite. Escolhemos uma barraca no meio das outras, guardamos nossas mochilas e descemos. Depois que quase todo o grupo saiu para o passeio, resolvemos terminar o que estávamos fazendo, tirar os tênis dos pés e relaxar por um longo tempo nas camas disponíveis. Apesar de estar cansado, não consegui cochilar como a Nanda, o que deixou aquela tarde mais longa para mim.

Ao final do dia todos já estavam de volta, sentados como de costume em volta de uma grande mesa comprida, jantando. Podia ver na expressão de Marcos como ele estava exausto, provável que por conta das inúmeras ferroadas que levara mais cedo dos marimbondos, suas orelhas ainda estava inchadas e as marcas em seu rosto bem aparentes. Eu e Nanda nos aproximamos mais da Natali, e tentando estabelecer uma comunicação meio espanhol, meio inglês, conseguimos desenvolver um curto diálogo sobre eleições nos nossos países.
Ao final do jantar, alguns do nosso grupo foram comprar cervejas, mais pessoas da vila apareceram por lá, uma festa noturna se iniciou, com música, bebidas e conversas. Foi uma noite bem agradável, apesar de não tomarmos nenhuma bebida alcóolica, nos divertimos muito, sempre juntos. Assim foi o fim de mais um dia de aventura rumo a Machu Pichu.

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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Vários caminhos e varios destinos

Olá a todos!
Essa é a primeira postagem no novo blog Essência Livre. Criamos este nome com o intuito de fazer com que vocês sintam já na primeira leitura o que sentimos quando estamos fora da nossa rotina, nos encontrando onde realmente sentimos que nossa Essência esta em liberdade.
Somos um grupo que busca a paz em meio a natureza, onde sabemos que por mais difícil que seja o caminho, quando voltamos para casa, sempre voltamos totalmente renovados, por mais cansados que parecemos estar, o espirito esta recarregado de boas energias.
O desejo aqui é que a cada postagem, possamos mostrar como o planeta terra é exuberante. Que nossos posts possam ajuda-los com dicas caso queiram conhecer os mesmos lugares.
Um grande abraço a todos e aproveitem!

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Trekking no Peru (Parte 5) - Encontro com Salkantay

2º Dia - Trekking Salkantay

Seguindo para Salkantay

06 de março de 2016

A madrugada foi dura com a Nanda, a temperatura abaixo do 4 graus Celsius a obrigou a vestir mais uma blusa, meias e se agarrar mais forte a mim. Foi dura, mas o cansaço era mais forte e ela, depois de se agasalhar melhor, voltou a dormir.
Os raios de sol da manhã começaram a clarear o interior de nossa barraca, não havíamos dormido bem, mas fora o suficiente para mais um dia de caminhada. Meus olhos ainda cansados aos poucos se abriram, o calor dos nossos corpos juntos não me permitia sentir a real temperatura daquela manhã. Acariciei vagarosamente os cabelos da Nanda e ela foi acordando, escutávamos as pessoas do lado de fora se levantando e se arrumando, estava na hora.
- Bom dia. - Disse a Nanda que me respondeu com um sorriso e um bom dia.
Ao sairmos dos sacos de dormir sentimos o frio daquela manhã, usamos lenços umedecidos para um rápido banho de gato.
Amanhecer naquele lugar foi lindo, o céu cinza cheio de nuvens não apagava as cores vibrantes do campo e das montanhas ao nosso redor. O cansaço sumiu assim que saímos da barraca, a maioria do grupo já havia acordado e estava se preparando para ir tomar café da manhã, esse dia seria um dos dias mais longos de nossa aventura, o dia em que chegaríamos o mais próximo da montanha Salkantay.
Mais tarde, após nos arrumarmos, sentamos todos para o café da manhã, sempre parecido, pão peruano, chá de coca, leite, café, geleias e margarina, ou manteiga, as vezes tinha algo diferente como uma fruta, mas sempre era uma mesa farta.
Após nos alimentarmos, arrumamos as coisas que as mulas iriam levar, cinco quilos de cada, um alivio para nossas costas, e entregamos para o Marcos. A viajem agora parecia que seria mais leve, pura ilusão.
Nosso grupo iniciou a trilha subindo em direção a montanha Salkantay. A frente quem puxava era o guia Marcos, logo atrás Zanda acompanhava o ritmo com seus dois colegas, depois vinham quase todo o resto do grupo, finalizando com a segunda guia. Eu, a principio, acompanhava bem a caminhada, olhando as   montanhas cinzas ao nosso redor que afunilavam a trilha e a erguia em direção a Salkantay, a montanha de gelo que nos olhava imponente a frente. A medida que caminhávamos eu começava a ter mais dificuldade, me sentia mais cansado e ia ficando para trás.
Caminho para Salkantay

Com passos lentos e falta de ar fui ficando para trás, longe de todo o grupo, acompanhado apenas pela guia em uma lenta caminhada.
Grupo a caminho de Salkantay

Depois de um tempo caminhando só, observando a Nanda de longe perseguindo o grupo, notei ela parando, se voltou a mim e decidiu me esperar, tirou fotos e caminhou ao meu lado acompanhando as mulas carregadas que vinham atrás. Foi uma longa subida, parecia que não teria fim, até chegarmos a um extenso vale decorado ao fundo com a montanha Salkantay, as águas de degelo escorriam do morro a nossa frente formando um riacho que se espalhava pela grama verde. A imponente Salkantay nos presenteava com uma paisagem espetacular. O grupo se reuniu em um abrigo feito de madeira com telhado de palha, lugar bem rústico, onde podíamos descansar um pouco e comer nossos lanches.
Vale a frente com Salkantay ao fundo

Depois de retirar a mochila das costas e curtir o alívio do momento de pausa sentado em um banco de madeira, recuperar meu folego perdido pelo caminho e comer algumas castanhas com a Nanda, resolvemos andar pelo campo e encontrar os melhores locais para tirarmos fotos daquele lugar espetacular. Havia uma enorme rocha quadrada, que parecia estar ali propositalmente, praticamente no centro do vale, posicionada especialmente para aqueles que quisessem tirar uma foto em cima dela com Salkantay ao fundo. Na hora já imaginei a Nanda, minha modelo particular, em um momento eternizado por uma foto ali. Mas não foi só uma foto que tiramos, foram várias, fotos dela, fotos nossas, fotos minhas e fotos apenas da paisagem do caminho para Salkantay. Ficamos lá por uns 30 minutos, até os nossos guias retomarem a caminhada.
Pose para foto

Dali em diante a subida seria mais íngreme e exigiria mais dos meus pulmões, não fazia ideia do quanto. Naquele dia o céu não se abriu, as nuvens deixavam o dia cinza e frio, muito bom para caminhar, uma dificuldade a menos, mas ainda assim o trekking seria cansativo.
Caminhávamos um pouco mais devagar que o grupo, sempre éramos os últimos a chegar em um ponto de parada, acompanhava com os olhos, de longe, o colorido das roupas deles, mas nunca tão distante. Havia pontos da trilha onde a subida era mais íngreme, onde chegávamos em um cume e descíamos um pouco novamente, como uma gigantesca escada entre montanhas. O caminho em meio a rochas e vegetação rasteira era como se andássemos no meio de uma fresta provocada por um desmoronamento milhares de anos atrás. Em alguns pontos viajantes haviam empilhado pedras em cima de uma rocha grande qualquer e o local se transformou em uma obra de arte do homem com a natureza.
Caminho de Salkantay

Uma obra de arte no caminho de Salkantay

A trilha após o vale ficou bem mais pesada, tivemos que subir pela montanha, em uma trilha em ziguezague, a altitude aumentava cada vez mais, eram aproximadamente 4400 metros no final do ziguezague, estava tão puxado para mim que nem sentia mais frio, precisei retirar a jaqueta e a blusa e caminhar por um trecho apenas com a camiseta. Fiquei feliz ao perceber que algumas pessoas do grupo também sentiram a altitude, e aos poucos fomos ultrapassando elas. Uma das meninas que alcançamos levava um par de bastões de alumínio, ela parecia mais experiente que nós. Aos poucos íamos caminhando juntos até chegar a mais um cume da trilha.
Após alguns quilômetros de trilha chegamos a uma segunda planície, toda gramada, úmida, onde o grupo parou mais uma vez para descansar. O frio bateu e recoloquei todas minhas roupas. A Nanda sempre olhava pra mim e sorria, não sabia se era de alegria de estar lá, ou se era de deboche. Sentamos em umas pedras próximo ao grupo para descansar e ela estava sentindo as bolhas nos pés, isso me preocupava, pois ainda tinha muito caminho pela frente. Estávamos a 4500 metros de altitude, bem próximos ao segundo ápice daquela trilha, ficar frente a frente com Salkantay.
Vista de Salkantay

Descansamos por uns 15 minutos e seguimos novamente, agora só iríamos parar no destino. Era a última subida, foi a mais difícil. Foram mais 200 metros de ganho de altitude, 200 metros que me fizeram parecer um idoso, não conseguia dar passos largos, a força havia desaparecido. Na minha frente a Nanda andava um pouco  e me esperava, subíamos em meio as rochas, seguindo uma trilha estreita, ao longe eu podia ver as mulas com as costas carregadas de bagagens e subindo tranquilamente, olhava para a Nanda acima me esperando, sempre com um sorriso, e a única coisa que eu falava era:"calma, estou no meu máximo". Não havia condições de dar um passo maior que meu próprio pé, o único consolo era que eu sempre alcançava alguém que havia parado, não me lembro quantas folhas de coca mastiguei para melhorar a oxigenação. Pouco a pouco fui me aproximando do mirante, as rochas pelo caminho foram diminuindo e a vista foi sendo revelada. Quando cheguei com a Nanda a maioria das pessoas do grupo já se encontravam lá, reunidos em um canto, ao fundo do mirante, olhei a minha direita e lá estava Salkantay. Uma rocha imensa e quadrada repousava em frente a montanha, convidando o visitante a subir em cima dela e posar para fotos.
A sensação da chegada é quase que inexplicável, uma mistura de cansaço, alívio e deslumbramento. De frente para a montanha, sentindo o vento gélido em meu rosto, presenciei sua imponência. Naquele dia Salkantay se esgueirava entre as nuvens, escondendo seu pico, atiçando a imaginação dos que a admiravam. Seu pico nevado carrega histórias daqueles que nunca conseguiram conquistá-lo, as lendas pra mim até pareciam verdadeiras, lendas essas que nasceram das crenças incas, onde através da montanha Salkantay o condor, levando as almas dos que morreram, atravessava um portal que ligava a terra com o céu.
Nanda no pé da montanha Salkantay

Por algum tempo ficamos observando aquela paisagem surreal, um outro mundo para nós. Ali era realmente o ápice da nossa caminhada, por toda a volta víamos pilhas de pedras se equilibrando, tiramos várias fotos e participamos de uma pequena cerimônia celebrada pelo nosso guia Marcos, uma cerimonia de agradecimento a mãe terra, ou como os antigos Incas chamavam, Pachamama.
Naquele dia Salkantay se manteve parcialmente escondido entre as nuvens, mas isso não retirou a magia de estarmos lá, foi lindo e transformador, algo para transformar nossos espíritos e ficar para sempre em nossas memórias.

Após a cerimônia começamos a nos preparar para continuar a caminhada, seria uma longa descida até nosso próximo destino. Arrumamos as mochilas, recolocamos os casacos e seguimos a trilha para o outro lado da montanha, encontramos pequenos lagos, muitas pedras imensas e um caminho de cascalho cheio de neblina. Como era descida, a caminhada era mais rápida, mas eu sempre ficava atrás e aproveitava para tirar fotos. Passávamos por paisagens que eu só havia visto pela televisão, vegetação rasteira, pedras e neblina, descíamos por uma trilha que hora era fácil, hora se tornava mais difícil, mas sempre era uma descida entre montanhas.


Lagos de degelo


Pelo caminho encontramos vários riachos de águas cristalinas, campos verdes onde os locais construíam muros de pedras para cercar o gado, me sentia em outro planeta, tinha a sensação de estar em um cenário de filmes de ficção que assisti um dia, chegamos em uma parte da trilha onde um campo verde dominava o chão e a névoa cinza dominava o céu, o ar estava mais abundante e a caminhada mais leve, ao longe, deitada na linha do horizonte, uma vaca negra decorava como um detalhe aquela paisagem surreal, por um momento o tempo havia parado para nós.

Paisagem surreal


A caminhada




A medida que descíamos, a névoa se dissipava e a temperatura subia, a visão do horizonte já era mais clara e podíamos ver a trilha seguindo ao longe. A caminhada ainda era longa, e a ladeira cada vez ficava mais íngreme, chegamos ao ponto de ter que parar por algumas vezes para a Nanda arrumar os curativos dos pés, já estava difícil caminhar sem sentir as bolhas, só conseguimos seguir mais rápido depois que o guia Marcos, percebendo a dificuldade da Nanda, cedeu para ela seus bastonetes, aquilo foi de uma ajuda tão grande que decidimos que compraríamos um par assim que voltássemos ao Brasil.
A peregrinação até nosso refúgio foi de 14 quilômetros de descidas, até chegarmos em uma pequena moradia rural com uma rústica cabana de pedras rodeada por uma cerca de madeira que demarcava algum tipo de plantação próxima a encosta de um morro, era ali que passaríamos a noite, uma cabana de dois pavimentos, onde o térreo era feito de pedras e cimento e a parte de cima, mais simples, uma área com piso, colunas sustentando um telhado de zinco e cercada por apenas um corrimão, tudo de madeira, sem paredes, foi ali que montaram as nossas barracas. Na parte de baixo havia banheiro com chuveiro a gás, onde cobravam 10 soles para tomar banho, cozinha, alguns cômodos e uma varanda coberta com telhado de palha com uma mesa comprida onde serviam as refeições.
Entramos na cabana e logo subimos para deixar nossas coisas na barraca, ficamos com a última barraca da fileira, no canto, próximo ao corrimão, como fomos um dos últimos a chegar não tivemos escolhas, então entramos e logo a Nanda foi checar as feridas dos pés. Ela retirou os tênis, puxou as meias e logo viu uma imensa bolha no centro de cada pé e outras pequenas nos calcanhares.
Como vou andar assim? - Perguntou ela.
Não tinha muito o que fazer, as bolhas maiores estavam tão cheias de água que ela mau conseguia pisar, então tive a ideia de fazer um minúsculo furo com uma agulha para retirar a água e não arrancar a pele.
Vamos fazer um furinho ai. - Eu disse.
Nanda me olhou desconfiada e um pouco apreensiva.
Será? E não tem perigo de inflamar?
Perigo tem, mas vou limpar direitinho e fazer um furinho bem pequeno na pele da bolha. Depois a gente desinfeta mais.
Ai eu coloco algodão para proteger. - Completou ela.
E assim foi, esterilizei ao máximo o pé dela e a agulha e cuidadosamente apertei a ponta da agulha contra a bolha até ela ceder e derramar toda a água pelo pé da Nanda. Sequei toda aquela água e fizemos um curativo colocando muito algodão em cima daquela bolha murcha, depois a Nanda vestiu uma meia para segurar o curativo e proteger de qualquer sujeira. Fizemos o mesmo procedimento no outro pé e ela se sentiu mais aliviada.
Por um momento, novamente, deitamos nos colchonetes da barraca para descansarmos, aquele dia foi uma caminhada de 19 quilômetros, com subidas e descidas muito longas, apesar de o caminho até a montanha de Salkantay ter sido só subida, parece que a descida, depois da montanha, foi ainda pior. A sensação era de que nunca chegaríamos, mas agora, aquele momento era maravilhoso, havíamos conseguido.
Mais tarde os guias nos chamaram para jantar, como na noite passada, o grupo se reuniu em volta de uma grande mesa onde serviram o jantar. Naquele momento em que jantávamos percebi que éramos os que menos interagiam, pois a maioria, ou falara inglês, ou falava espanhol e como nós só sabíamos falar no máximo um “portunhol” era difícil de se comunicar. Descobrimos naquela noite que nosso guia Marcos já havia morado por algum tempo no Brasil e era por essa razão que ele se comunicava bem com a gente.
A noite caiu, eu e Nanda de barriga cheia, subimos para a barraca, onde pudemos descansar nossos corpos para o próximo dia de caminhada.
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